Musical jovem Guerra de Papel transporta o mito de Antígona para os tempos atuais

Foto - Jefferson Pancieri

Com interpretação brechtiniana, a 
Tô em Outra Cia. de Teatro discute a dura realidade enfrentada pelos jovens negros da periferia. Peça circula por Jundiaí, São Caetano do Sul, Guarulhos, São Paulo e Barueri

Segunda peça da trilogia de pesquisa da Tô em Outra Cia. de Teatro sobre Teatro Grego e Periferia, Guerra de Papel - uma tragédia urbana musical é o novo espetáculo do grupo de repertório do Jaguaré, na zona oeste de São Paulo. A peça trata da tragédia diária ocorrida nas periferias do Brasil, palco da violência sofrida pelas comunidades residentes nessas regiões. Na adaptação do mito grego de Antígona para os dias atuais, foi concebida uma interpretação brechtiniana. Com duração de 60 minutos, em média, a encenação acontece ao vivo com atores e banda de quatro músicos, executando 12 canções.

Enquanto na mitologia grega, a figura de Antígona - filha do casamento incestuoso de Édipo e Jocasta - é aquela que tenta enterrar seu irmão, na peça da companhia ela é a personagem central, a mulher negra na luta para descobrir quem tirou a vida de seu filho Aramiz, morto em consequência de uma bala perdida dentro da sala de aula.

Se no primeiro espetáculo da trilogia Das Ruas, um Orfeu de Mochila (saiba mais aqui), o grupo adaptou o mito de Orfeu e Eurídice para os tempos atuais, celebrando o amor, em Guerra de Papel a Cia. - sempre na estética do teatro musical - transporta o mito de Antígona para a contemporaneidade e retrata o luto. A reflexão proposta agora passa pelo precário ensino público brasileiro e o genocídio dos negros, principalmente em escolas periféricas, consequência do combate entre polícia e traficantes. Depois da tragédia com o filho, Antígona estampa o rosto do menino nos jornais, camisetas e em sua janela, gritando em sua comunidade, fazendo sua própria guerra.

Foto - Jefferson Pancieri

“Queremos falar sobre as mortes nas periferias, sempre invalidadas pela mídia e pela polícia, que nunca realiza uma investigação séria para encontrar o culpado. Exemplo é o ocorrido com o assassinato de Marielle Franco. Um caso famoso, de uma vereadora periférica, pessoa pública, até bem pouco tempo sem conclusão”, comenta o Diretor Geral Jorge Alves.

Os mitos colaboram na compreensão das relações humanas e ajudam a ampliar nosso entendimento sobre o mundo e nós mesmos. Eternos, estão presentes na vida de cada ser humano, que é um pouco Deus e herói de sua própria história. A mulher na obra é muito presente. A professora, a irmã e a mãe, três mulheres que tiveram seus pensamentos e sentimentos revirados por uma criança que teve sua vida interrompida.

Também retratada na peça, Ismênia, irmã de Antígona, é a mulher que perdeu o sobrinho de forma brutal, uma pessoa que tenta amenizar o peso da saudade e a da insatisfação da vida, tanto dela quanto de sua irmã Antígona. Se sente impotente, não encontra força em seus braços para segurar a irmã e mesmo com esse sentimento, ela está o tempo todo pensando na sua família.

Foto - Jefferson Pancieri

Regida pelas lembranças do filho, Antígona sente cada vez mais raiva da justiça dos homens e espera encontrar paz na justiça divina. A professora abre a narrativa com uma conversa sincera com Deus, tentando buscar as respostas para os questionamentos que não encontra nos mortais. A morte do filho leva Antígona a repensar o futuro dos alunos e buscar outra forma, por meio do ensino, para tornar seus alunos seres pensantes e realizadores.

“Escolhemos contar esta história para mostrar uma realidade que, infelizmente, ainda é muito presente. A lei natural da vida é que os filhos enterrem seus pais, mas sabemos que o destino inverte de forma cruel os papéis. A peça é dura, assim como a vida da minoria-maioria da população”, comenta o ator Jorge Alves.

A Tô em Outra Cia. de Teatro se consolida pelo trabalho no âmbito de pesquisa em teatro grego e épico. Em Guerra de Papel, a proposta do grupo é pesquisar a interpretação dos atores a partir da técnica do dramaturgo e encenador alemão Bertold Brecht, Gestus, forma de interpretação do texto a partir do corpo. Este processo de interpretação pressupõe um método de construção de fora para dentro sem que os artistas se envolvam emocionalmente com as personagens. Como no teatro épico, a proposta é o distanciamento do ator perante a personagem.

Foto - Jefferson Pancieri

Além, de inserir características de interpretação do teatro grego, como corpo e voz ampliados. Jorge destaca a presença do coro como essencial para a montagem, visto que Guerra de Papel, de acordo com ele, é uma manifestação. “E manifestação, para ter uma força maior, é feita pelo coletivo. Ele tem destaque na relação com o público, não raro quebrando a quarta parede”.

A ação se passa em uma escola, que pode ser uma casa ou espaço público. Os figurinos cumprem dupla função no espetáculo, com composições de peças cotidianas com uniforme escolar. Cada peça tem características únicas de cada personagem, assim, buscando transparecer a personalidade de cada um e realçando texturas e cores para imprimir a ideia de individualidade dentro de um coletivo.

A iluminação acompanha as movimentações dos atores no palco e em suas pontuais áreas de atuação. É composta, quase que em sua totalidade, por retas que remetem aos diversos caminhos e escolhas feitas pelos personagens durante a trama. Sem variações de cores, a luz cria espaços realistas e lúdicos. Possui variações de movimentos, acompanhando o acelerado ritmo das cenas e dos personagens, o que dá à obra uma dinâmica ágil e juvenil, como o próprio texto. Ao vivo, quatro músicos estão em cena, com direção musical e arranjos de Paulo Henrique Costa. A criação musical tem inspiração em gêneros como samba e funk, ritmos presentes nas periferias. Os atores cantam suas angústias para o público.

Sinopse

Contornado pelo mito de Antígona, o musical Guerra de Papel trata da tragédia que ocorre todos os dias nas periferias do Brasil, das balas encontradas em corpos e corpos perdidos. Guerra de Papel é a luta para se ter uma identidade. “Se nascemos, se temos nossas certidões, por que querem nos tirar e entregar uma certidão de óbito? Apagar nossos nomes, nossas histórias, é uma guerra para nos mantermos vivos”.

Confira no vídeo abaixo trechos do espetáculo:


Ficha técnica
Guerra de Papel - Uma tragédia urbana musical
Direção Geral - Jorge Alves
Texto - Andrezza Rodrigues e Thuane Ainy
Elenco - May Tenório (Antígona), Thayna Rodrigues (Ismênia), Claudine Palháres (Professora), Cinthia Tomaz (Ensamble), Cainã Naira (Favela e Ensamble), Renan Marques (Ensamble), Uédia Alves (Ensamble) e Vittor Oliver (Ensamble)
Músicas - Jorge Alves, Leo Matheus e Paulo Henrique Costa
Letras - Andrezza Rodrigues, Jorge Alves, Paulo Henrique, Leo Matheus e Thuane Ainy
Arranjos Musicais - Paulo Henrique Costa
Direção Musical - Paulo Henrique Costa
Assistente de Direção Musical e Regência - Raimundo Damasceno
Músicos Instrumentistas - Luiz Viola (Piano e Teclas), Julio Lino (Baixo), Janssen Lima (Violão) e Tunuka (Percussão e apoio vocal)
Direção de Movimentos e Coreografias - Divana Montez
Assistente de Coreografia - Cinthia Tomaz
Figurinos - Gabriela Araújo
Cenário - Heron Medeiros
Assistente de Direção - Andrezza Rodrigues
Assistente de Produção - Thuane Ainy
Design de Luz e Operação - Fernando Ferreira
Design de Som - Radar Sound
Assessoria de Imprensa - M. Fernanda Teixeira e Macida Joachim | Arte Plural
Programação Visual - Nayara Falcão
Produção - Tô em Outra Produções Culturais
Realização - Tô em Outra Cia. de Teatro

Serviço
Guerra de Papel - Uma tragédia urbana musical
Duração - 60 minutos
Classificação - 14 anos

Data - 02 de junho - domingo
Horário - às 15h e às 19h
Local - Centro das Artes Prefeito Pedro Fávaro - Sala Glória Rocha
Endereço - R. Barão de Jundiaí, 1093 - Centro - Jundiaí (SP)
Ingressos gratuitos pela Sympla (clique aqui)

Data - 12 e 13 de junho - quarta e quinta-feira
Horário - 20h
Local - Teatro Santos Dumont
Endereço - Av. Goiás, 1111 - Centro - São Caetano do Sul (SP)
Ingressos gratuitos (retirar na bilheteria)

Data - 18 de junho - quarta-feira
Horário - 20h
Local - Teatro Adamastor
Endereço - Av. Monteiro Lobato, 734 - Macedo - Guarulhos (SP)
Ingressos gratuitos (retirar na bilheteria)

Data - 19 de junho - quinta-feira
Horário - 20h
Local - Teatro Ponte Alta
Endereço - Av. Florestan Fernandes, s/nº - Jardim Ponte Alta - Guarulhos (SP)
Ingressos gratuitos (retirar na bilheteria

Data -  21, 22 e 23 de junho
Horário - sexta e sábado, às 21h e domingo, às 19h
Local - Teatro Arthur Azevedo
Endereço - Av. Paes de Barros, 955 - Alto da Mooca - São Paulo
Ingressos - R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Vendas na bilheteria do teatro

Data -  27 e 28 de junho - quinta e sexta-feira
Horário - 20h
Local - Centro de Eventos Barueri - Auditório B
Endereço - Av. Sebastião Davino dos Reis, 672 - Vila Porto - Barueri (SP)
Ingressos gratuitos (retirar na bilheteria)

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