Porteiros e cobradoras de ônibus são elementos protagonistas em projeto teatral


Fotomontagem de 'A Cobradora' e 'Portar(ia) Silêncio'

Os espetáculos 'Portar(ia) Silêncio' e 'A Cobradora' fazem temporada conjunta, e foram criados a partir de depoimentos de porteiros de condomínios da região central de Sampa e de cobradoras de ônibus a partir do parque Dom Pedro

Algumas categorias são constantemente invisibilizadas pela sociedade, como se não fossem primordiais e nem mesmo humanas. Com a pandemia, essa condição acabou se agravando, "escondendo-as" ainda mais.

Dois espetáculos, que estrearam em 2019, discutem os pontos de vista de duas dessas classes: os porteiros e as cobradoras. Em maio, 'Portar(ia) Silêncio' e 'A Cobradora' criações, respectivamente, do diretor e ator Jhoao Junnior e da Zózima Trupe serão transmitidos em conjunto, em sessões virtuais e gratuitas.

Serão ao todo 20 apresentações online, oito delas transmitidas ao vivo a partir de um palco sem presença a de público, entre 14 e 24 de maio. As apresentações podem ser conferidas no link aquie nas redes de teatros municipais de São Paulo: Alfredo Mesquita, Cacilda Becker, Arthur Azevedo e Popular João Caetano. Além disso, oficinas de criação virtuais via plataforma Zoom, com os artistas dos dois espetáculos, também fazem parte dessa curta temporada.

Cada sessão dos espetáculos contará com um prólogo seguido pela encenação das peças. E, haverá ainda, um interlúdio com dois personagens que contracenam interligando as peças. Os espetáculos foram criados a partir de depoimentos pessoais e técnicas de história oral junto a porteiros de prédios e condomínios da região central da cidade de São Paulo e de cobradoras de ônibus a partir do terminal do Parque Dom Pedro.

"A ideia é integrar as experiências num ato performativo com apresentação de ambos os espetáculos de forma sequenciada, como um primeiro e segundo ato, de uma dramaturgia que discute o masculino e feminino invisibilizado na cidade de São Paulo a partir do contexto de vida de trabalhadores subalternos que revelam em seus depoimentos trajetórias históricas de um país colonial pautado pela migração nordestina aos grandes centros urbanos, xenofobia, violência doméstica, misoginia e, sobretudo, por uma construção de cidade que parte daqueles que estão marginalizados dos modelos econômicos dominantes de cidade", explica o diretor e ator Jhoao Junnior.

Em suas conversas com conterrâneos Jhoao, já que ele veio do Rio Grande do Norte à São Paulo, constatou que o sentimento de solidão é comum entre os migrantes. Mais tarde, transformou esses depoimentos em pesquisa e, posteriormente, em texto para o teatro. No caso da Zózima Trupe, a constatação foi muito parecida: a partir de relatos colhidos em entrevistas realizadas com cobradoras de ônibus, todas de origem nordestina, com histórias permeadas pela violência, amor, sonhos e solidão.

As peças costuram a cidade a partir desses indivíduos que ocupam posições subalternas e que veem a cidade de um ponto de vista muito particular, solitário e invisível: as cobradoras costuram a cidade, os porteiros olham a cidade a partir de um lugar estático.

E a pandemia causada pelo novo Coronavírus potencializou tanto a solidão quanto a situação de invisibilidade. Porteiros e cobradoras não pararam de trabalhar, se expondo, enquanto que o contato e a troca com outras pessoas foram ainda mais reduzidos.

Sobre os espetáculos

Portar(ia) Silêncio

Foto - David Costa

O monólogo Portar(ia) Silêncio une teatro documental e linguagem cinematográfica e parte da experiência de nove porteiros do nordeste que migraram para São Paulo. O processo de criação do espetáculo partiu de uma pesquisa do artista potiguar Jhoao Junnior sobre a memória nordestina na capital paulistana.

Em comum, sua pesquisa reconheceu o olhar colonialista e aristocrático sobre o nordeste do país, os preconceitos linguísticos e a falta de identificação da cultura local nas dinâmicas impostas pela cidade. O recorte feito por 'Portar(ia) Silêncio' a partir do olhar dos porteiros migrantes torna-se um símbolo de como a dinâmica urbana contrapõe hábitos e vivências dessas pessoas, grande parte delas vinda de zonas rurais do nordeste brasileiro.

"A portaria virou metáfora para implicações existenciais. O porteiro é um trabalhador do silêncio e ocupa um lugar parecido com o da própria história da migração, que é não estar dentro nem fora, não estar num espaço público nem privado, além de receber com frequência um olhar e um tratamento estereotipado sobre seu local de origem", explica Jhoao, que vive há dez anos em São Paulo. Na peça, uma ficção documental, Jhoao entrelaça depoimentos dos porteiros gravados em vídeo e projetados na parede do auditório com sua interpretação.

"Ocupo um lugar de ator, mas não de personagem. Transito entre esses homens numa espécie de presentificação das suas histórias. Há um trabalho forte com a palavra, a prosódia, o sotaque e os locais de onde vem cada uma dessas pessoas", destaca. Os nove porteiros que se dispuseram a gravar os depoimentos para Jhoao são dos estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia, Sergipe e Piauí.

A Cobradora

Foto - Divulgação

As relações criadas durante o percurso de um ônibus de linha na cidade de São Paulo são o cenário e a inspiração para o espetáculo, da Zózima Trupe. Nele, Maria Alencar encena o cotidiano da cobradora de ônibus Dolores, suas histórias e desilusões. A peça começou a ser criada em 2016, quando integrantes da companhia começaram a colher relatos do cotidiano dessas profissionais que trabalhavam no Terminal Parque Dom Pedro II.

A partir desta residência artística de oito anos, foi criada a dramaturgia por Cláudia Barral que registrou a poesia das narrativas reais das trabalhadoras do transporte público da cidade de São Paulo.

"Quando você abre a porta do ônibus é igual uma porta de uma igreja, qualquer um entra: o preto, o branco, o pobre, o rico, o ladrão, o estuprador, ou seja, você vê de tudo um pouco", declara a cobradora Maria das Dores.

São histórias de amor, amizade, luta, perdas, revolta, solidão... Emoções comuns a praticamente todas as mulheres e que foram acentuadas com a pandemia provocada pelo novo Coronavírus.

"Essa aproximação nos colocou em um lugar de troca, uma reflexão da ação do cotidiano a partir da arte, uma percepção da potência dessa mulher em relação com o coletivo, com a cidade, com o indivíduo, com o micro e o macro cosmo da nossa sociedade, esse que se apresenta dentro de um ônibus em movimento pela cidade", relata Anderson Maurício, diretor da peça e um dos fundadores da Trupe.

Sobre as oficinas

Além das apresentações, serão oferecidas oficinas abertas ao público, gratuitas e online, voltada a todos os interessados nas matrizes que formam o espetáculo e também nos métodos de criação teatral para todas as idades. Elas serão gravadas na plataforma Zoom, para permitir a interação entre os inscritos (clique aqui).

As oficinas foram divididas em jornadas, e que podem ser cumpridas separadamente. São elas:

  • A biografia e a autobiografia, o sentido do eu se espelha no outro
  • A memória social e a consciência de si, narrativas migrantes do Nordeste brasileiro nas portarias de prédios e catracas de ônibus
  • O documento, a ficção e a memória: linhas de tensão na dramaturgia documental
  • O lugar de fala e a colonialidade de 'dar a voz', o vídeo, a internet e os meios isolados de criação teatral, a estética do reality

A atividade é uma reunião dos meios e modos de produção que deram sentido a criação dos espetáculos 'Portar(ia) Silêncio' e 'A cobradora'. As oficinas serão ministradas pelos criadores e atores Jhoao Junnior e Maria Alencar, além de convidados como Janaína Leite, Anderson Mauricio, Galiana Brasil, Marcelo Soller, dentre outros. Para mais informações sobre as atividades e inscrições clique aqui.

Serviço
Portar(ia) Silêncio e A Cobradora
Temporada - maio e junho
Ingressos gratuitos

Agenda de apresentações

Data -14 a 17 de maio e 21 a 24 de maio - sexta a segunda-feira
Horário - 20h
Para assistir clique aqui

Data - 28, 29 e 30 de maio - sexta-feira a sábado
Horário  - sexta-feira a sábado às 21h e domingo às 19h
Locais - clique aquiYouTube do Teatro Alfredo Mesquita  aqui e Facebook aqui

Data - 04, 05 e 06 de junho
Horário - sexta-feira a sábado às 21h e domingo às 19h
Locais - clique aquiFacebook do Teatro Cacilda Becker  aqui e YouTube aqui

Data - 11, 12 e 13 de junho
Horário - sexta-feira a sábado às 21h e domingo, às 19h
Locais - clique aqui e Facebook do Teatro Arthur Azevedo aqui

Data - 05 - 18, 19 e 20 de junho
Horário - sexta-feira a sábado às 21h e domingo às 19h
Locais - clique aqui e Facebook do Teatro João Caetano aqui

Postar um comentário

0 Comentários