Deus é Mãe - obra do artista paulista Robinho Santana é alvo de processo judicial


'Deus é Mãe', obra do artista Robinho Santana. Foto - Divulgação

O mural, 
a maior empena de arte do país, está em Belo Horizonte e faz parte do festival de arte urbana de Minas Gerais, CURA

O CURA (Circuito Urbano de Arte) foi incluído criminalmente em inquérito da Polícia Civil que investiga a ocorrência de crime contra o meio ambiente, o inquérito investiga também os artistas envolvidos na obra. Motivo? A presença de letras com a estética de pichações em uma das empenas da coleção do festival. Se condenados, podem pegar até quatro anos de prisão.

A obra “criminosa”, segundo a Polícia Civil, é o maior mural em empena do Brasil criado pelo artista Robinho Santana, de Diadema (SP). Para sua execução, a obra contou com a colaboração de outros artistas de BH, a convite do festival e do próprio artista. Os convidados fizeram intervenção artística com letras na estética do pixo.

O mural, de quase 2.000m², 'Deus é Mãe' já se tornou patrimônio da cidade. A imagem da mãe negra carregando um filho no colo e levando o outro pelas mãos emociona quem passa pelo hipercentro da cidade e já é local clássico de fotografia de milhares de famílias negras. O painel saiu ovacionado nas principais mídias nacionais e internacionais.

Segundo a legislação da capital mineira, pichação é um delito leve que não leva a prisão. Por volta do ano de 2010, o então prefeito de BH, conseguiu articular com o Estado a criação de uma delegacia especifica para cuidar do Meio Ambiente. O fato é que essa delegacia especializou-se em investigar pichações, e como não se tinha artifícios legais para condena-los, eles acusam os pichadores de formação de quadrilha e depredação do meio ambiente urbano, assim os acusados tem motivos legais para serem presos, sendo condenados com penas enormes, como, infelizmente, já aconteceu em algumas oportunidades em BH.

É nesse contexto de perseguição a estética do pixo na cidade de Belo Horizonte e num cenário de cerceamento de liberdades constitucionais no âmbito nacional que acontece a investigação contra o CURA. Segundo seus organizadores, a delegacia além de criminalizar o festival tenta constranger e enfraquecer a sua realização, tendo escandalosamente intimado os patrocinadores do festival.

O festival é patrocinado pelas leis municipal, estadual e federal de incentivo à cultura, sua prestação de contas é pública e sua execução acontece com todas as licenças, contratos e autorizações que a legislação exige.

"Vale lembrar que em uma democracia, a liberdade artística deve ser preservada e garantida mesmo quando se discorda ou se desgosta da expressão artística em questão. Pode-se até achar o pixo feio, mas não se pode criminalizar uma obra que conta com essa estética se essa obra tem todos os contratos e autorizações exigidas por lei", comenta Juliana Flores, uma das idealizadoras e curadora do festival ao lado de Janaína Macruz e Priscila Amoni.

'Deus é Mãe', obra do artista Robinho Santana. Foto - Divulgação

“No Edifício Itamaraty, alguns moradores não gostaram das letras emoldurando a pintura do Robinho Santana. Mesmo a realização da obra tendo sido aprovado por unanimidade durante assembleia geral e mesmo sabendo que o festival não submete layout ao julgamento de moradores, eles querem a remoção das letras com a estética do pixo", protestq Juliana.

“A expectativa deles é que o festival apagasse as marcas que já tinham na empena e inviabilizasse as vozes que fizeram essas marcas. Fizemos justamente o oposto. Criamos diálogo com quem já estava lá. Lamentamos essa posição de alguns moradores porque acreditamos que essa obra é linda e necessária, gostaríamos que todos os moradores gostassem dela, mas entendemos que arte é isso: você pode gostar ou não, mas tem que respeitar. Desgostar não pode significar criminalizar”, finaliza.

Histórico da investigação

Em 2019 o Edifício Itamaraty autorizou por unanimidade em assembleia a pintura da fachada pelo festival CURA. Em fevereiro de 2020, o festival envia contrato aos administrados para que o condomínio participasse da edição daquele ano.

Em junho de 2020 o Edifício Itamaraty foi pixado e a Policía abriu um inquérito para investigar esse crime e descobrir os autores dos pixos. Em setembro do mesmo ano, na fase de produção da pintura no edifício, com intuito de criar um diálogo estético com a cultura do pixo e estabelecer uma ponte com outros artistas, Robinho Santana e as curadoras do festival convidaram pixadores pra fazer intervenção na obra 'Deus é Mãe'. Não foi a primeira vez que o CURA fez isso. Um grande exemplo, é a obra 'Ajo y Vino', da artista Milu Correch pintado durante o festival de 2017.

Importante ressaltar que a pintura foi realizada dentro da legislação municipal, com autorização da Diretoria de Patrimônio e contrato com o prédio. Os pixadores foram contratados como artistas pra criar junto com Robinho Santana, receberam cachê, formação NR35, medidas de proteção para o trabalho em altura, e contrato de seguro de vida. Em dezembro de 2020, o CURA foi incluído no inquérito pelo crime de pichação por conta da intervenção na obra 'Deus é Mãe'.

Sobre a 5ª edição do CURA

Obra de Robinho Santana e Milu CorrechFoto - Caio Flavio/Area de Serviço

O Circuito Urbano de Arte encerrou sua 5ª edição entregando 18 obras de arte em fachadas e empenas, sendo 14 na região do hipercentro da capital mineira e quatro na região da Lagoinha, formando, assim, a maior coleção de arte mural em grande escala já feita por um único festival brasileiro.

A obra do artista paulista Robinho Santana foi entregue no dia 04 de outubro de 2020, e é considerada a maior empena de arte do Brasil, com 1.892m² (33,20m de largura x 47,80m de altura). Esta foi apenas a segunda empena pintada pelo artista, com o dobro do tamanho da primeira.

Com a preocupação em fazer algo que fosse condizente com o tamanho e a importância de pintar a maior empena do festival, o artista de Diadema não encontrou nada em suas pesquisas e vivências mais grandioso do que a força de uma mãe preta. E é por isso que a imagem de uma mulher negra carregando duas crianças agora faz parte do horizonte da capital mineira.

“Quero reconhecer e homenagear meus heróis ainda vivos, que, em sua grande maioria, são pessoas simples. É importante que pessoas que entrarem em contato com essa obra também se vejam, se reconheçam e se potencializem através da grandeza” explica Robinho.

O trabalho, segundo o artista, é uma ode a um Levante Negro, um desejo de que outras pessoas oriundas de lugares periféricos também pintem as maiores empenas em festivais pelo mundo. Este trabalho carrega diversos significados, mas o artista, particularmente, quer comentar sobre força, e tudo isso personificado na imagem de uma mãe, segurando duas crianças.

Anteriormente, o maior mural do festival pertencia à artista argentina Milu Correch e sua pintura de 1.792 m² na parede lateral da Garagem São José. Prédios vizinhos, Itamaraty e São José formam, agora, uma esquina icônica para a arte urbana com quase 4.000 m² pintados.

Para saber mais sobre o CURA - Circuito Urbano de Arte, clique aqui.

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