Espetáculo Galpão de Espera estreia no CCSP

O desafio da direção foi como retratar a violência colonial e contínua. Foto - Noélia Nájera

Na trama, o cão de um patrão arranca o braço de uma entregadora de marmitas, evento que desata desejos, contradições e dilemas de cinco personagens negras por renda, sobrevivência, prestígio e integração ao mercado de trabalho

Em uma revista feita a uma trabalhadora negra, o cachorro do patrão arranca seu braço. A partir deste mote foi criado Galpão de Espera, trabalho vencedor do Edital 6ª Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do Centro Cultural São Paulo.

O dramaturgo Allan da Rosa se baseou em estruturas históricas de miséria, aniquilamento, desespero e ausência do país em relação aos povos pretos para mostrar como chegamos, muitas vezes, a um ambiente contemporâneo que parece indicar apenas saídas individuais ou a oferta incessante de si mesmos como produtos na vitrine, deixando de lado, em suas palavras, “uma das maiores forças ancestrais que temos que é a solidariedade, além da coragem de lidar com nossa própria complexidade”. A estreia acontece na terça-feira, dia 29 de março, e segue em cartaz em temporada curtíssima até o domingo, 03 de abril, no CCSP.

Cinco personagens negras circulam em torno desse galpão misterioso: é uma agência de empregos, um lugar de trabalho ilegal ou uma senzala? “O personagem principal dessa história é o galpão”, frisa a diretora. A partir de onde e de quem faz a pergunta, o público é convidado a redirecionar o olhar em relação à peça e à estrutura do espaço.

O incidente inicial trágico perpassa os três atos da peça em que os diálogos apresentam as fomes, os segredos e os labirintos de cada um na cena. Donilton (William Simplicio), o patrão, dono do cachorro, que dominou as regras capitalistas; Dona Caruncha (Mawusi Tuani), a anciã que é cuidadora de todos, terna e vingativa; Ascendina (Isamara Castilho), a jovem que lida com o novo corpo mutilado e quer ascender socialmente; Fu (Jojo Brow-nie Souza), com suas perguntas cristalinas e cortantes, que foi educada para o luxo mas vive atolada na precariedade; Expedito (Filipe Roseno), ex-peão que desafia qualquer moral para aprender as regras e golpes do jogo do dinheiro.

“As artes negras hoje passam por um momento especial, diante de tanto assédio e da hipocrisia da sociedade brasileira. São solicitadas e produzidas pencas de obras previsíveis e maniqueístas em nome de uma suposta representatividade, guiada por pura mercadologia ou por ‘likes e seguidores’. Isso passa longe da profundidade de muitas questões ferventes cotidianas e de nossas habilidades ancestrais em lidar com contradições”, diz Allan da Rosa.

A diretora Ivy Souza fez a si mesma algumas perguntas para conduzir os atores e as atrizes em seus papéis. “As personagens querem falar sobre como e em qual tempo eles se movimentam, tentando descobrir suas possibilidades reais de ação dentro de suas trajetórias: eles têm possibilidades de escolha? A partir de qual ética? Essas personagens estão no mesmo lugar de competição quando comparados com toda a sociedade? Então as perguntas não podem ser as mesmas”, reflete a diretora.

Para ela, a peça traz o desafio de ter como tema principal a violência. “A ameaça se apresenta diferentemente para cada tipo de corpo. Essa peça fala sobre rastros de barbaridade colonial, espiral e contínua, na manutenção das estruturas de poder”, diz Ivy.

Direção e elenco estiveram unidos na criação, - que tem a fisicalidade como forte elemento cênico - em uma colaboração que também contou com Lucas Brandão e sua pesquisa sobre Body Mind Center, o corpo e a mente integrados a partir do deslocamento. E também Clayton Nascimento com seu olhar de interpretação e jogo dramático a partir da própria natureza e identidade dos atores.

“Isso tem a ver com o meu pensamento de perceber o movimento como rastro de trajetórias dessas personagens que estão presas nesse galpão e dessa estrutura que os oprime cotidianamente”, completa a diretora.

“A trama aflorou e se desenvolveu quando analisei as armadilhas e o redemoinho voraz que nos envolvem mental e economicamente hoje", diz o dramaturgo Allan da Rosa.

Sinopse

Foto - Noélia Nájera

O cão de um patrão arranca o braço de uma entregadora de marmitas. Isso desata contradições, fomes e dilemas de cinco personagens negras por prestígio, renda, sobrevivência e integração no mercado de trabalho.

Ficha técnica
Galpão de Espera
Direção - Ivy Souza
Dramaturgia - Allan da Rosa
Elenco - William Simplício, Mawusi Tulani, Filipe Roseno, Isamara Castilho, Jojo Brow-nie Souza e Rodrigo de Odé
Preparação de Elenco - Lucas Brandão
Assistência de Direção - Clayton Nascimento
Direção de Produção - Corpo Rastreado
Produção Executiva - Gabs Ambròzia
Produção - Ivy Souza
Foto e Vídeo - Noelia Nájera
Criação de Luz - Lucas Brandão
Trilha Sonora - Cibele Appes
Assistência Trilha Sonora - Paula Matta
Figurino - Renan Soares
Cenógrafo - Julio Dojcsar
Operação de Som - Alírio Assunção
Montagem de Luz - Dida Genofre
Operação de Luz - Dida Genofre e Lucas Brandão
Assessoria de Imprensa - Márcia Marques e Daniele Valério | Canal Aberto
Agradecimentos - Mirella Façanha

Serviço
Galpão de Espera
Temporada - de 29 de março a 03 de abril
Horário - terça a sábado, às 21h e domingo, às 20h
Duração - 120 minutos
Local - Centro Cultural São Paulo - Sala Jardel Filho
Endereço - Rua Vergueiro, 1000 - Vergueiro - São Paulo
Capacidade - 224 lugares
Ingressos - R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia)
Vendas na bilheteria com duas horas de antecedência
Classificação - 16 anos
Informações 11 3397-4000
Será necessário apresentar o comprovante de vacinação da Covid-19, com no mínimo duas doses.

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