Frances Reynolds intermedia doação de mais de mil fósseis para o Museu Nacional

Foto - Diogo Vasconcellos

Mecenas e ativista cultural argentina radicada no Brasil colabora ativamente, por meio de seu Instituto Inclusartiz, para a reconstrução do acervo da instituição após incêndio em 2018

Um dos maiores desafios para a recuperação do Museu Nacional após o incêndio que destruiu suas dependências em 2018 é a reconstrução de seu acervo. E para isso, a instituição conquistou uma aliada de peso: Frances Reynolds, mecenas e ativista cultural argentina de alma brasileira que é um dos nomes mais atuantes no cenário das artes plásticas do país e do mundo.

Patrona de instituições como MoMA, MASP, Tate Modern e Royal Academy of Arts e presidente do Instituto Inclusartiz, que busca democratizar o acesso à cultura no Brasil, ela atendeu ao chamado do diretor do museu, Alexander Kellner, para se engajar na reconstrução da maior instituição dedicada à história natural e à antropologia na América Latina.

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Desde 2022, quando assinou um acordo de colaboração técnica entre o Inclusartiz e a Associação Amigos do Museu Nacional (SAMN), Frances está mergulhada em viagens e reuniões com esta finalidade. Já conquistou resultados significativos, como a doação de mais de mil fósseis por parte do colecionador de origem suíço-alemã Burkhard Pohl, e está em processo de conseguir outros acervos fundamentais para a recomposição da instituição.

"Por meio das ações de Frances Reynolds, a quem sou extremamente grato pela amizade e pelo apoio, essa parceria tem possibilitado à direção do museu realizar contatos internacionais para atuar na parte mais sensível da reconstrução: a obtenção de novo acervo", celebra Alexander Kellner, que exemplifica o que há na coleção doada por Pohl: "São tartarugas, crocodilomorfos, plantas, insetos, pterossauros e até dinossauros que vão enriquecer não apenas as novas exposições, mas, também, se tornar objetos de pesquisa para novos e futuros pesquisadores".

Longe de ser uma especialista em história natural, Frances descobriu um mundo novo, com gente que tem características parecidas com as suas: paleontólogos e cientistas são apaixonados pelo que fazem. "Pensei: temos todos que colaborar. Amo o Brasil, sou carioca por paixão, tenho dois filhos brasileiros. Ver o museu ser reconstruído e trazer outros parceiros para isso é um enorme desafio, mas é o que eu mais gosto de fazer. Nosso desejo é contagiar todos com a mesma paixão que nos move. Somos mais do que atores isolados; somos agentes multiplicadores de cuidado cultural", explica ela.

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Foi por meio de seus tantos contatos no universo das artes e do colecionismo que Frances chegou a Burkhard Pohl. Neto de Karl Stroeher (1890-1977), cuja coleção de arte formou a base do Museu de Arte Moderna de Frankfurt, e filho de Erika Pohl-Stroeher, que reuniu a maior e mais refinada coleção de minerais e gemas da Europa, Burkhard adquiriu, nas últimas décadas, uma ampla variedade de fósseis em feiras internacionais na Europa e nos Estados Unidos.

Com isso, tem uma das mais substanciais coleções privadas de fósseis do mundo. Pohl entende a importância dos museus de história natural, tanto que criou dois: o Centro de Dinossauros de Wyoming, nos EUA, e o Museu Paleontológico Sino-Alemão, em Liaoning, na China. No início dos anos 1990, fundou a empresa suíça Interprospekt Group, que hoje integra diversas iniciativas globais em escavações, exposições, educação e comércio relacionados à história natural.

Desta coleção fazem parte os 1104 fósseis que Pohl agora doa para o Museu Nacional. Todo o acervo cedido é originário da Bacia do Araripe, região localizada entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, onde estão as formações Crato e Romualdo, duas unidades ricas em material paleontológico que datam, respectivamente, de 115 milhões e 110 milhões de anos. "Por acaso tenho uma coleção de fósseis daquela área. Então pensei: tem que haver um estoque de fósseis do Brasil no museu mais importante do Brasil", conta Pohl.

Para concretizar toda a operação, Frances fez mais de 10 visitas a Pohl, algumas delas acompanhada por Kellner e outros paleontólogos brasileiros: "contei a história do museu, expliquei sua importância para o Brasil e o convenci sobre a importância de doar esses fósseis para a instituição", resume ela.

Uma vez acertada a ponte, ao longo de 2022 e 2023 eles partiram para os detalhes contratuais e de transferência do acervo. O material já está no Rio de Janeiro, e todo o processo de chegada foi registrado pelo Instituto Inclusartiz e a Isabella Produções, também liderada por Frances, num documentário sobre a recomposição do acervo que está em produção.

Alguns destaques da coleção

Foto - Diogo Vasconcellos
  • O holótipo - espécime de referência usado para descrever novas espécies - de Tetrapodophis amplectus, um fóssil único extensivamente estudado. Pohl explica: “alguns argumentam que ele representa a espécie mais antiga de cobra, posicionada como a forma de transição entre lagartos e cobras, sugerindo a América do Sul - especificamente o Brasil - como o local de nascimento das primeiras cobras”.
  • Enquanto o Brasil tem a distinção de ser o país onde mais espécies de pterossauros foram descobertas, a doação adiciona pelo menos dois crânios de pterossauros não estudados ainda, com potencial de se tornarem holótipos.
  • Dois fósseis de dinossauros, provavelmente pequenos dromeossaurídeos ainda não descritos na literatura científica. São esqueletos únicos.
A esses exemplares, soma-se o crânio completo do pterossauro Tupandactylus imperator, um dos mais bem preservados já encontrados. Uma reconstrução da vida deste réptil voador foi feita e, juntamente com o fóssil, será uma atração importante nas novas exposições do Museu. Além deste pterossauro, vários outros espécimes já estão sendo estudados por pesquisadores e estudantes do Museu Nacional/UFRJ.

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"Esses espécimes são de valor científico inestimável, não só para a compreensão da paleontologia na América do Sul, mas também para o patrimônio científico brasileiro”, observa Kellner.

“Considero esta ação do Dr. Burkhard Pohl, intermediada pela Inclusartiz, como um marco no restabelecimento e avanço do acervo de nossa instituição, exemplificando o que uma parceria entre entidades privadas e o museu pode alcançar. Um exemplo que gostaríamos de ver seguido por outros, ajudando-nos a reconstruir e devolver a instituição à sociedade em abril de 2026, como estamos planejando", finaliza.

Inclusartiz viabiliza excursão para escavação nos EUA

Esse é apenas o início da parceria. Nas palavras de Pohl: "a colaboração entre o Interprospekt Group e o Museu Nacional/UFRJ não terminará após essa doação”. De fato, ela segue dando frutos. Graças à mobilização financeira e logística de Frances Reynolds, um grupo de seis paleontólogos e estudantes brasileiros teve a oportunidade de aceitar o convite do colecionador para realizar, em agosto de 2023, a primeira excursão de escavação conjunta no Noroeste dos Estados Unidos, explorando as terras ricas em fósseis de dinossauros da Formação Hell Creek, nos estados de Wyoming e Montana, sob orientação do Interprospekt Group.

Dois alunos da equipe começaram a desenvolver um estudo sobre espécimes fósseis específicos durante a visita. Um deles usará os dados coletados em um réptil marinho em seu projeto de doutorado, e a ideia é que eles voltem a campo para seguir com as pesquisas.

“Nós, paleontólogos brasileiros, nunca tivemos uma oportunidade como essa, de estar num sítio lendário como esse nos Estados Unidos, podendo aplicar nossos conhecimentos na procura de fósseis, encontrar esses fósseis e também repor a nossa coleção com um material que a gente nunca teve”, celebra Juliana Sayão, paleontóloga do Museu Nacional.

Bem-sucedida a experiência com os fósseis, Frances já está em campo para buscar novas doações. Ela tem intermediado conversas dos representantes do museu com acadêmicos e colecionadores de várias partes do mundo. Esteve em Portugal com Kellner, onde conseguiram € 5 milhões em bolsas de estudo.

No Egito, facilitou conversas entre paleontólogos brasileiros e especialistas locais em restauração, visitando diferentes museus em Luxor, Alexandria e Cairo e participando das escavações em duas tumbas. “A colaboração foi tão rica que os egiptólogos me convidaram para voltar no ano que vem e acompanhá-los nas escavações, a fim de documentar o processo”, conta ela.

Todos esses contatos dão esperança de que a instituição possa voltar a ter um acervo robusto quando for reinaugurado, em 2026. “Ok, o museu pegou fogo, foi uma tragédia, mas agora tem muita gente trabalhando para reerguê-lo. Sou apenas mais uma peça dessa engrenagem, a parte internacional desse grupo. É um trabalho totalmente voluntário, pelo bem do patrimônio público”, observa ela, complementando: “todo mundo sabe que agora Frances está procurando tesouros pelo mundo".

Um mergulho desafiador que não afeta a dedicação a suas outras atividades: enquanto busca materiais para o acervo do Museu Nacional em diferentes continentes, ela segue cuidando de perto do centro cultural Inclusartiz, que promove residências artísticas e gera transformação cultural, social e ambiental no bairro histórico da Gamboa, no Rio de Janeiro.

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