Macacos - Episódio de racismo motiva criação de espetáculo teatral e livro

Foto - Julieta Bacchin

Monólogo criado e interpretado por Clayton Nascimento, da Cia do Sal, tem dramaturgia criada a partir do caso do goleiro Aranha, do Grêmio, ofendido pela torcida tricolor gaúcha em 2014. Este mote real, transformado para o contexto artístico, sustenta Macacos como denúncia do racismo estrutural existente na sociedade

Macacos, da Cia. do Sal fica em cartaz no Centro Cultural São Paulo até dia 31 de julho, com entrada gratuita. A obra foi criada por Clayton Nascimento, que também está em cena. O nome do espetáculo faz referência a uma das formas de xingamento mais usada para ofender os negros no mundo todo. O preconceito contra os povos pretos é abordado em cena a partir do relato de um homem-negro que busca respostas para o racismo que rodeia seu cotidiano e a história de sua comunidade.

Uma das preocupações centrais da obra é recontar a História do Brasil, com um novo olhar, e a partir de fatos históricos, uma vez que ela sempre foi contada pela camada social que pode estudar e estruturar leis. Segundo Clayton Nascimento, a dramaturgia está amparada por uma pesquisa séria, que envolveu o projeto "História da Disputa: Disputa da História" idealizado pela historiadora Carol Oliveira, assim como pedagogos, intelectuais, entrevistas com mães vítimas do genocídio negro no Brasil, artigos e autores pretos para estruturar os fatos muitas vezes desconhecidos pelo grande público. A riqueza da obra fez, inclusive, com que um lote de 10 mil exemplares do livro fosse comprado para ser distribuído entre o material didático dos alunos do ensino público de São Paulo a partir de 2023.

A peça se desenrola num fluxo de pensamentos, desabafos e elucidações que surgem em cena, pautados pela História do Brasil e situações vividas por grandes artistas negros - de Elza Soares a Machado de Assis - até alcançar relatos e estatísticas do Brasil de 2022. De um modo desprevenido, o ator conduz o público a uma navegação de sonhos, reflexões, poesia e rock'n'roll.

O espetáculo conta ainda com provocação cênica de Aílton Graça e preparação corporal de Ana Maria Miranda, Professora da Escola de Arte Dramática da USP. "Criei essa peça na moradia da Universidade, e como não conseguia vencer editais públicos, resolvi escrever, dirigir e interpretá-la; ao longo do tempo vieram os parceiros que tanto agregaram ao espetáculo, e, seis anos depois, ver que a peça respira, viajou o Brasil, ganhou prêmios, e ainda poder publicar a dramaturgia em livro pela Cobogó e entrar nos livros didáticos da cidade de São Paulo, me dão cada vez mais desejo de viver e de mostrar que o racismo, mesmo articulado e entranhado, nunca vence a profundidade da cultura popular brasileira, do mesmo modo que não existe raça, gênero, classe econômica ou credo que definam as potências de um alguém", conta Nascimento.

Foto - Julieta Bacchin

Macacos começou a ser escrita em 2015 e fez sua estreia em 2016. Desde então, a peça já participou de festivais em Fortaleza, Curitiba, Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Pernambuco e Amazonas. E acumula mais de uma dezena de premiações, entre eles "Prêmio Especial do Júri por Relevância Temática e Proposição Cênica", "Melhor Ator", "Dramaturgia ou Narrativas Urgentes" pelo Festival Niterói em Cena, Festival de Teatro do Rio de Janeiro, Festival de Teatro do Amazonas, entre outros.

O monólogo absorve questões atuais e que se tornam mais urgentes. O Brasil é um território com altos índices de homicídios causados pela Polícia Militar e Sociedade Civil à comunidade negra e indígena, o mais assustador é que a idade das vítimas ao longo dos anos vem diminuindo cada vez mais.

"Como disse Nina Simone, o dever do artista é refletir seus tempos", diz Clayton Nascimento. “Macacos faz um jogo entre arte cênica, as palavras, os fatos e o discurso para debater com o público a violência do racismo que sempre esteve presente na sociedade brasileira. Walter Benjamin diz que: nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim, (...) considera sua tarefa escovar a história a contrapelo; por isso o texto reforça o compromisso de se comunicar com o povo negro, mas agora, com o nosso olhar", completa o dramaturgo. Todas os profissionais envolvidos na produção são negros.

Foto - Edson Lopes Jr

O texto da peça traz à luz fatos que não estão escritos nos livros didáticos, fazendo a relação entre números das estatísticas como as coletadas pelo Atlas da Violência do IPEA, e estatísticas coletadas pelo IBGE, livros Históricos, entrevistas com mães que perderam filhos para o genocídio negro no Brasil e experiências cênicas.

A dramaturgia foi criada a partir do caso do goleiro Aranha, do Grêmio, ofendido pela torcida tricolor gaúcha em 2014. "Já que o xingamento é infelizmente inevitável, transformamos então, em uma expressão artística para provocar a reflexão sobre essa origem e a nossa própria História. A peça é um convite a pensar sobre isso", completa o artista.

Para amplificar esse debate, o artista receberá, ao final de cada apresentação, convidados para desdobrar temas pertinentes aos assuntos, fatos e estatísticas abordados na peça. A lista dos artistas convidados e as datas serão divulgadas nas redes sociais da Cia do Sal e do artista. Macacos é uma criação da Cia do Sal, fundada por Clayton Nascimento para fomentar a arte e educação nos palcos do país, e de sugerir o empoderamento político-social aproximando a História da nação a quem ela realmente pertence: ao povo brasileiro.

Ficha técnica
Macacos
Diretor, Ator e Dramaturgo - Clayton Nascimento
Provocador Cênico - Ailton Graça
Diretora de Movimento - Aninha Maria Miranda
Iluminação - Daniele Meirelles
Arte - Muca
Produção - Bará Produções e Corpo Rastreado

Serviço
Macacos
Temporada - até 31 de julho
Horário - quinta a sábado, às 20h e domingos, às 19h
Duração - 80 minutos
Local - Centro Cultural São Paulo - Sala Jardel Filho
Endereço - R. Vergueiro, 1000 - Paraíso - São Paulo
Grátis
Retirada de ingressos com 1h de antecedência
Classificação - 14 anos

Em tempo: após a apresentação nos dias 23, 24, 30 e 31 de julho, haverá uma conversa com participação de convidados.

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