Público infantojuvenil é o jurado no espetáculo O Tribunal de Rosa dos Ventos


Foto - Fernando Moraes

Com estética rock e pós-punk, formas geométricas e exageradas, a peça cria o ambiente lúdico da cidade mágica de Rosa dos Ventos. Encenação bebeu na fonte dos filmes Castelo Rá Tim Bim (Cao Hamburger) e O Estranho Mundo de Jack (Tim Burton). Projeto contemplado pelo ProAC Infantojuvenil, tem quatro finais possíveis e coloca o público no interior de um tribunal. A proposta é estimular o senso crítico por meio da apresentação para as crianças do funcionamento de um júri

Se depender do olhar do dramaturgo Victor Walles as crianças e jovens, entre 09 e 14 anos, serão adultos de pensamento crítico desenvolvido e esclarecidos em relação à justiça e à honestidade da informação, crescendo com capacidade de analisar fatos, reconhecer e combater notícias falsas.

O novo espetáculo do dramaturgo, o segundo de sua autoria para esse público (o primeiro foi Voar - um Musiclown), O Tribunal da Rosa dos Ventos sintetiza sua visão do teatro como ferramenta de transformação social. A peça estreia em temporada presencial de 02 a 24 de outubro, aos sábados e domingos às 16 horas, no Teatro Arthur Azevedo, na Mooca, de graça.

O Tribunal de Rosa dos Ventos conta a história de uma cidade mágica, toda em preto e branco, habitada por personagens fantásticas, onde as pessoas e os lugares começam a desaparecer. Para investigar os estranhos acontecimentos, julgar e solucionar o problema de Rosa dos Ventos, cinco representantes da população organizam um tribunal e montam um júri com crianças e jovens da plateia. A votação do público pode levar a diferentes consequências. O espetáculo tem quatro finais possíveis.

Desde o começo da carreira, Walles - que estreia na direção - se questiona sobre a importância de fazer teatro para a geração que vem em seguida à sua. “Vivemos um momento histórico delicado, por conta do negacionismo e das notícias falsas. O empobrecimento do debate tem sido crescente, uma estratégia política. Isto tem muito a ver com a falta de entendimento da maior parte da população brasileira sobre o que é debate, o que é um argumento válido, o que são fatos consideráveis, o que é o método científico. Esta é uma preocupação que tenho em relação ao futuro do país”.

Victor fala com propriedade, como um jovem periférico, estudante de escola pública a vida toda, que compreendeu o sentido do debate de ideias aos 18 anos, ao fazer cursinho. “Minha preocupação em tratar destes temas vem desde cedo. São assuntos de relevância e contribuição para a construção de uma sociedade politicamente mais participativa, coerente e equilibrada”.

O dramaturgo considera que o teatro tem uma potência para além da apreciação estética ao suscitar provocações, emoções e propor a troca de ideias. “O espetáculo pretende estimular o senso crítico, por meio da apresentação para as crianças do funcionamento de um júri. Vejo o teatro como um instrumento de caráter extremamente pedagógico, a fim de rever posturas, ampliar a recepção da obra para além da apreciação de entretenimento”.

Sobre os personagens

Foto - Fernando Moraes

Linhagem mágica, função e característica de personalidade delineiam as personagens. O Velho Juiz (Fernando Moraes) é uma figura curiosa, central na cidade de Rosa dos Ventos, que conduz e revela o funcionamento de cada uma das áreas de um tribunal. Assim como todas as personagens, tem seu tripé de criação - uma linhagem mágica (ele é descendente direto das fadas), uma característica (é velho) e a função (um juiz). “Foi a criação mais distinta de todas”, relata Fernando, detalhando que o tipo transita em áreas contrastantes - a seriedade do poder, a idade e a leveza das fadas. Fica no tribunal, localizado no alto da serra.

A Elegante Advogada (Thaís Sodré) é a feiticeira do Sul, é próxima do juiz, auxilia nas investigações e na condução dos depoimentos. Tem o domínio da situação, joga com as palavras. Parece se esquivar da investigação e acaba nela. Tem a elegância das bruxas do deserto.

A Rebelde Cantora (Vanessa Triviño) é uma sereia do Oeste, tem o ar rebelde das adolescentes e traz um canto estridente, cortante. O Vampiro (Wes Rocha) é um deprimido poeta do Centro, imerso nos livros e nas palavras, tem um ar assustado, pessimista. A Otimista Coveira (Gabrielle Távora) é duente, a primeira a ver o sol nascer, trabalha com alegria e otimismo, tem domínio sobre a vida e a morte.

Texto cria clima investigativo

Foto - Fernando Moraes

A história que a dramaturgia constrói é a busca pela resolução de um mistério: a cor branca está tomando conta da cidade, causando um desequilíbrio gigante. O texto da peça aponta para vários sentidos ao construir um clima investigativo. Criando uma cadeia de fatos e mentiras a serem observados de forma dinâmica, criando um jogo de atenção, pois pessoas podem mentir, mas fatos são fatos.

As personagens do tribunal são as únicas cinco pessoas que não perderam seus contornos pretos. Sendo as únicas em perfeito equilíbrio também são as principais suspeitas de serem culpadas pelo caos que tomou a cidade. Elas terão que encontrar um caminho lógico para desmascarar possíveis mentiras e, para isso, contarão com a ajuda da plateia que, no papel de júri popular, será convidada a votar e refletir sobre os rumos da investigação.

Um dos pontos a se observar na estrutura da peça é a apresentação para o público infantil do funcionamento de um júri. As crianças vão acompanhar os depoimentos de cada personagem que investigam. O público-júri acompanha as cenas-depoimentos até o momento onde é solicitada sua participação. “Na medida em que estabelece a função de júri para o público, a peça se configura como um jogo”, comenta o ator e produtor Fernando Moraes “Como são quatro finais, cada sessão será um jogo, uma possibilidade diferente”.

A montagem cria uma atmosfera investigativa de forma lúdica em, um primeiro momento. Em seguida, tudo o que aconteceu no tribunal é debatido com os jurados para que elenco e crianças escolham os encaminhamentos do tribunal e, por fim, serão apresentadas as consequências da escolha feita.

A peça aponta, em sua forma e conteúdo, a relação de causa e consequência, nas escolhas das personagens e nas escolhas das crianças diante dos fatos apresentados. O espetáculo coloca a criança não mais como espectador mas também como agente dentro da obra, questionando as personagens, opinando, ouvindo as outras crianças e por fim conduzindo o desenlace da história e dando o veredito do Tribunal de Rosa dos Ventos.

Dentro da própria história, no depoimento das personagens, é possível perceber que o problema que ocorreu na cidade se relaciona com boatos infundados que foram espalhados pela cidade, gerando o desequilíbrio. Relacionado com o tema das fake news que assola o país nos últimos anos, a peça propõe um jogo de paralelos com temas e situações do cotidiano estimulando o senso crítico, a interpretação e a análise dos fatos, expondo de forma didática as consequências de disseminar informações falsas e o quão prejudicial é para as relações sociais e para própria sociedade. Dessa forma a peça coloca o teatro como um instrumento de caráter extremamente pedagógico a fim de estimular pensamentos, rever posturas, propor o debate e ampliar a recepção da obra para além do senso estético e da apreciação de entretenimento.

Encenação - Alice, Mágico de Oz e Castelo Rá Tim Bum

A encenação estimula o senso crítico pela forma. O público (as crianças e os adolescentes) vota no que considera o melhor para a cidade. Dependendo da sentença, do veredito, são geradas consequências diferentes, resultando em um dos possíveis quatro finais ensaiados.

“A análise de fatos e as escolhas tem consequências. São quatro finais ensaiados e cada um deles traz diferentes consequências para a escolha do júri, do veredito do tribunal”. Ao escrever o texto, na busca pela construção de um universo mágico, “de um mundo além do espalho”, o dramaturgo encontrou referências estéticas nos filmes Alice no País das Maravilhas, O Estranho Mundo de Jack (ambos de Tim Burton) e O Mágico de Oz (de Victor Fleming). “Elas funcionaram como um pontapé inicial”, comenta Victor. No desenrolar do processo de montagem, uma inspiração brasileira foi assumida como principal referência: o filme Castelo Rá Tim Bum, de Cao Hamburger, com Rosi Campos e Sérgio Mamberti. O universo bruxo chamou a atenção de Victor.

Direção de arte-rock, pós-punk e referências da Bauhaus

No palco, uma sala de tribunal fantástica Tanto no cenário como no figurino, o encenador apostou no preto e no branco. Em uma peça toda criada nessas cores, como solucionar a questão de envolver o público-alvo no ambiente lúdico e estabelecer a comunicação desejada?

“Temos o universo das animações de Tim Burton (A noiva cadáver e O estranho mundo de Jack) como principais referências de formas lúdicas para criar um espetáculo atraente. Apostamos em forma geométricas e exageradas para equilibrar com o preto e branco básico, o que nos levou a uma estética mais rock, pós-punk e referências da Bauhaus”.

Alguns recursos mágicos de que se vale o tribunal serão criados pela luz e pela música nas transições de cena, nos flash-backs, justificados dramaticamente por meio da magia que opera nesta cidade. A luz é responsável por construir a linha do tempo nos depoimentos encenados no tribunal. Distribui recortes e filtros específicos para construir as cenas que acontecem no passado (depoimentos) e as do presente (o tribunal).

Ficha técnica
O Tribunal de Rosa dos Ventos
Encenação e Dramaturgia - Victor Walles
Elenco - Fernando Moraes, Gabrielle Távora, Thaís Sodré, Vanessa Triviño e Wes Rocha
Produção - Fernando Moraes e Victor Walles
Cenografia - Guilherme Custódio
Assistente de Cenografia - Victor Bebiano
Figurino - Salomé Abdala
Perucaria - Malonna
Iluminação - Nara Zocher
Sonoplastia - Sarah Alencar e Carlos Eduardo Samuel
Guitarra: Rafael Leite
Material Gráfico - Laís Trovarelli

Serviço
O Tribunal da Rosa dos Ventos
Temporada - de 02 a 24 de outubro - sábados e domingos
Horário - 16 horas
Local - Teatro Arthur Azevedo
Endereço - Av. Paes de Barros, 955 - Mooca - São Paulo
Grátis
Informações 11 2604-5558

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