Inspirado no teatro de Tadeusz Kantor e na linguagem de HQs e desenhos animados, o grupo Garagem 21 apresenta Dias Felizes, de Samuel Beckett, no Teatro Cacilda Becker. A direção é de Cesar Ribeiro, com atuação de Lavínia Pannunzio, vencedora dos prêmios Shell e APCA, e Helio Cicero, vencedor dos prêmio Mambembe e Apetesp.
Uma das obras-primas do escritor irlandês ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1969, o texto traz a história de Winnie, uma mulher de 50 anos que dialoga de modo otimista sobre um passado glorioso e a esperança de dias melhores. Nessa condição precária, em um cenário desértico, ela se agarra às palavras e a seus últimos pertences para enfrentar a passagem do tempo e comandar seu universo de esperanças contraditórias com a realidade em que está inserida: além da imobilidade ao estar enterrada, a memória é falha, o sol é constante e seu marido permanece indiferente, ao fundo da cena, absorto na leitura de manchetes de velhos jornais.
Por meio dessa narrativa, a montagem aborda a desumanização, que condiciona grandes parcelas da população a uma cidadania de segunda classe: o isolamento, a escassez de recursos, a natureza hostil e a oposição entre os desejos de luta pela vida e desistência diante das adversidades configuram a obra como uma representação do abandono pelo Estado, pela coletividade e por qualquer suposta divindade organizadora. Mas como garantir a vida de milhões de pessoas vulneráveis socialmente sob uma realidade excludente?
“Estado e coletividade, duas forças que buscam agir de modo complementar para corrigir as distorções sociais, não são entidades apenas falhas em Dias Felizes, e sim ausentes: em um território devastado, em que o sol nunca se põe, nenhum ser humano é visto há tempos e apenas há vida nas formigas que atacam Winnie e na montanha que engole sua carne, resta a ela e seu marido, Willie, a companhia um do outro”, comenta Cesar Ribeiro sobre a montagem.
Em cena, a relação entre os personagens também é de interdição e incompletude: mesmo em situação mais adversa do que seu companheiro, Winnie busca utilizar a linguagem como modo de enganar sua condição e seguir adiante.
“Utilizando metateatro, é o estridente despertador que a acorda para o jogo cênico, como se fosse o terceiro sinal antes de iniciar um espetáculo; já o sol é representado pelos refletores, que iluminam a ação. E é nessa ação de ser vista e ouvida que compartilha a consciência de sua tragicomédia, buscando a palavra como modo de construção da única poesia possível, por conta dos impedimentos do corpo, e seu parceiro como um antagonista falho”, pontua o diretor.
A proposta de montagem segue a investigação dos sistemas de violência característica do grupo Garagem 21: se em Esperando Godot é investigada a violência estrutural e em O Arquiteto e o Imperador da Assíria o foco está na violência cultural, em Dias Felizes o centro está nas imposições relacionadas à construção do feminino e na violência do patriarcado.
“A voz que se ouve na peça é de Winnie, que o tempo inteiro retorna à expectativa de felicidade enquanto narra possibilidades de afeto perdidas no passado e a aridez do estado presente. Ao mesmo tempo, como um quebra-cabeça, o texto vai remontando uma relação afetiva que começa com a ‘conquista’ seguida por imediato silêncio entre o casal, resultado de um marido presente fisicamente, mas sem nenhum grau de escuta e que apenas grunhe palavras incompreensíveis e, às vezes, algumas frase soltas ou pequenas respostas”, afirma Ribeiro.
Como base teórica, a montagem utiliza obras como Eichmann em Jerusalém, em que Hannah Arendt propõe que o mal, ao atingir grupos sociais, é político e ocorre onde encontra espaço institucional, gerando a naturalização da violência como processo histórico e sociopolítico; e Calibã e a Bruxa, em que Silvia Federici investiga a opressão ao feminino a partir da chamada ‘caça às bruxas’ no período da transição para o capitalismo.
Esteticamente, a direção de arte busca a influência de princípios do cyberpunk e do steampunk, animações como Persépolis e Ghost in the Shell, visual da industrial dance e moda futurista para compor um território devastado, representado na cenografia de J. C. Serroni por um vulcão carbonizado, enquanto os figurinos de Telumi Hellen e o visagismo de Louise Helène apontam para o indivíduo-máquina característico de alguns animes e a luz ostensiva de Domingos Quintiliano destaca o impiedoso sol do deserto em que estão os personagens. Já a trilha sonora é composta de alguns efeitos e rock clássico.
Sinopse
Foto - Bob Sousa |
Com Lavínia Pannunzio e Helio Cicero, a peça dirigida por Cesar Ribeiro é influenciada pela linguagem de HQs e desenhos animados e mostra a história de Winnie, mulher enterrada em um vulcão até a cintura que dialoga de modo otimista sobre um passado glorioso e a esperança de dias melhores enquanto tem ao fundo seu marido, absorto na leitura de velhos jornais.
Ficha técnica
Dias Felizes
Texto - Samuel Beckett
Direção e Trilha Sonora - Cesar Ribeiro
Elenco - Lavínia Pannunzio e Helio Cicero
Direção de Produção - Edinho Rodrigues
Cenografia - J. C. Serroni
Desenho de Luz - Domingos Quintiliano
Figurinos - Telumi Hellen
Visagismo - Louise Helène
Produção Executiva - Vanessa Campanari
Fotos - Bob Sousa
Registro em Vídeo - Nelson Kao
Assessoria de Imprensa - Marcia Marques e Daniele Valério | Canal Aberto
Realização - Grupo Garagem 21, Mecenato Moderno Produção Cultural, Brancalyone Produções e Prêmio Funarte de Estímulo ao Teatro 2022
Serviço
Dias Felizes
Temporada - até 30 de julho
Horário - quintas a sábados, às 21h e domingos, às 19h
Duração - 120 minutos (incluindo um intervalo de 15 minutos)
Local - Teatro Cacilda Becker
Endereço - Rua Tito, 295 - Lapa - São Paulo
Ingressos - R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Classificação - 12 anos
0 Comentários