Foto - Weslei Barba |
A Companhia de Teatro Heliópolis estreia na sexta-feira, dia 12 de março, às 20h, o espetáculo Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos, que aborda a forte presença feminina no contexto do encarceramento. A temporada ocorre na Casa de Teatro Mariajosé de Carvalho, sede do grupo, com ingressos no sistema “pague quanto puder” para o público em geral e gratuitos para alunos e professores da rede pública. Reservas antecipadas online pela plataforma Sympla.
Com encenação de Miguel Rocha e dramaturgia de Dione Carlos, o enredo parte da história de duas irmãs gêmeas - Maria dos Prazeres e Maria das Dores - com vidas marcadas pelo encarceramento dos homens da família para apresentar as estratégias de sobrevivência, sobretudo, das mulheres em suas comunidades. Quanto ao título, a dramaturga explica que “faz referência às mulheres que transmutam as energias de violência e morte e reinventam realidades”.
A montagem - que tem como intérpretes Antônio Valdevino, Dalma Régia, Danyel Freitas, Davi Guimarães, Isabelle Rocha, Jefferson Matias, Jucimara Canteiro, Priscila Modesto e Walmir Bess - é resultado do projeto Cárcere - Aprisionamento em Massa e Seus Desdobramentos, elaborado para comemorar os 20 anos que a Companhia de Teatro Heliópolis completou em 2020, sendo contemplado pela 35ª edição do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.
A encenação de Miguel Rocha trata o tema tendo as mulheres - mães, esposas, companheiras, irmãs - no centro da abordagem. “São elas que carregam o peso, que são acometidas pelos desdobramentos do encarceramento de seus parceiros ou familiares, vendo abalada a sua vida emocional, sua segurança física e sua situação financeira. A mulher se torna a força e o sustentáculo da família, e também daquele que está em situação de cárcere”, argumenta o encenador.
A história das duas irmãs é um disparador no enredo de Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos para revelar o quão difícil é se desvincular de uma estrutura tão complexa quanto o encarceramento. Enquanto a mãe enfrenta o sistema na tentativa de libertar o filho preso injustamente, lutando pela sobrevivência da família e do filho, sua irmã é refém do ex-companheiro também encarcerado, a quem deve garantir a subsistência no presídio, além de não ter direito a uma nova vida conjugal pelo risco de perder a própria vida.
Foto - Weslei Barba |
Presas a um histórico circular, pois também tiveram o pai preso, elas lutam para quebrar o ciclo, em um percurso cheio de espinhos. Miguel Rocha comenta que “a montagem não ignora que a tirania do cárcere reverbere na periferia, onde poderes paralelos criam regras e ditam normas, dispondo da vida das pessoas”.
A ancestralidade está presente na dramaturgia e permeia a encenação de forma arquetípica. O coro aparece tanto como uma representação da coletividade quanto um exercício da voz ancestral, cujos saberes resistiram à barbárie e atravessaram séculos nos corpos, nas memórias e nas crenças dos africanos que, escravizados, fizeram a travessia do Atlântico.
Vale ressaltar que a maioria dos encarcerados é de ascendência negra, além de pobres e periféricos. “Nosso propósito é apresentar uma obra que trace o percurso dessas mulheres, pretas e pobres, cujo destino é atrelado ao cárcere. Não é defender a criminalidade, mas refletir sobre a situação limite em que o condenado se insere, além de mostrar que o modelo prisional vigente é cruel, discriminatório e não presta à ressocialização”, argumenta Miguel Rocha.
Como já é característico nas encenações da Companhia de Teatro de Heliópolis, o espetáculo explora as ações físicas para construir um discurso poético e expressionista das relações de poder e da situação de cárcere. A música ao vivo potencializa esse discurso nas cenas coreografadas que denunciam e evidenciam o cotidiano em questão. O futebol, a comida, as humilhações, a disciplina imposta são passagens que elucidam a ambiguidade da proposta do sistema para a reabilitação daquele que, supostamente, infringiu as regras da sociedade. O encenador explica que “a música e a coreografia têm a força de expor a concretude, a precariedade e a desestrutura do espaço onde o enredo se desenvolve”.
No espaço cênico, assinado por Eliseu Weide, predominam a cor cinza e a iluminação, de Miguel Rocha e Toninho Rodrigues, que confere intensidade à cena e à dramaturgia. Apenas alguns elementos cenográficos são contextualizados de forma poética, a exemplo das gaiolas que representam a prisão emocional e psicológica da mulher que sofre indiretamente as consequências do cárcere.
Foto - Weslei Barba |
Criados por Samara Costa, os figurinos são neutros, calça e camiseta, sugerindo o ator dentro do jogo de cena, antes da personagem. A trilha sonora original de Renato Navarro, é executa por três musicistas mulheres: Denise Oliveira (violino), Jennifer Cardoso (viola) e Amanda Abá (cello) e um percussionista (Alisson Amador).
Durante o processo de criação de Cárcere, o grupo contou com participação de pensadores e pesquisadores em debates (Salloma Salomão, Juliana Borges, Roberto da Silva e Preta Ferreira), provocações (Maria Fernanda Vomero e Bernadeth Alves) e performatividade (Carminda Mendes André); também de Bruno Paes Manso e Salloma Salomão como comentadores, além da colaboração de outros profissionais como Bel Borges e Luciano Mendes de Jesus (preparação vocal), Renato Navarro (música), Érika Moura (pesquisa corporal) e Janete Santiago (dança afro), entre outros.
Segundo o diretor, não há como dissociar esta produção do momento particular a que a humanidade foi submetida. “O fato de ter sido elaborado durante a pandemia, com grande parte do processo realizado virtualmente, nos traz uma experiência diferente. Trabalhamos com o corpo, o contato físico, o suor, a presença cotidiana... E, enclausurados na maior parte do tempo, fomos desafiados a criar uma obra sobre enclausuramento”, finaliza Miguel Rocha.
Ficha técnica
Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos
Encenação - Miguel Rocha
Assistência de Direção - Davi Guimarães
Texto - Dione Carlos
Elenco - Antônio Valdevino, Dalma Régia, Danyel Freitas, Davi Guimarães, Isabelle Rocha, Jefferson Matias, Jucimara Canteiro, Priscila Modesto e Walmir Bess
Direção Musical - Renato Navarro
Assistência de Direção Musical - César Martini
Musicistas - Alisson Amador (percussão), Amanda Abá (violoncelo), Denise Oliveira (violino) e Jennifer Cardoso (viola)
Cenografia - Eliseu Weide
Iluminação - Miguel Rocha e Toninho Rodrigues
Figurino - Samara Costa
Assistência de Figurino - Clara Njambela
Costureira - Yaisa Bispo
Operação de Som - Jéssica Melo
Operação de Luz - Viviane Santos
Cenotecnia - Leandro Henrique
Provocação Vocal, Arranjos e Composição da Música do ‘Manifesto das Mulheres’ - Bel Borges
Provocação Vocal, Orientação em Atuação-Musicalidade e Arranjos - Percussão ‘Chamado de Iansã’ e Poema ‘Quero ser Tambor’ - Luciano Mendes de Jesus
Estudo da Prática Corporal e Direção de Movimento - Érika Moura
Provocação Teórico-Cênica - Maria Fernanda Vomero
Provocações - Bernadeth Alves
Comentadores - Bruno Paes Manso e Salloma Salomão
Provocação de Performatividade - Carminda Mendes André
Mesas de Debates - Juliana Borges, Preta Ferreira, Roberto da Silva e Salloma Salomão
Orientação de Dança Afro - Janete Santiago
Designer Gráfica - Camila Teixeira
Direção de Produção - Dalma Régia
Produção Executiva - Davi Guimarães, Miguel Rocha e Leidiane Araújo
Fotos - Weslei Barba
Assessoria de Imprensa - Eliane Verbena
Idealização e Produção - Companhia de Teatro Heliópolis
Serviço
Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos
Com a Companhia de Teatro Heliópolis
Temporada - 12 de março a 05 de junho
Horários - sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h
Duração - 1h45 minutos
Local - Casa de Teatro Mariajosé de Carvalho - Sede da Cia. de Teatro Heliópolis
Endereço - Rua Silva Bueno, 1533 - Ipiranga - São Paulo
Ingressos - pague quanto puder
Venda de ingressos online - Sympla (clique aqui)
Grátis - estudantes e professores de escolas públicas
Classificação - 14 anos
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